Comissão de Anistia admite hipótese de STF rejeitar ação sobre crimes na ditadura
REGIANE SOARES
da Folha Online
O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, admitiu nesta sexta-feira a possibilidade de o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitar a ação apresentada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que questiona a prescrição e a responsabilização de crimes de tortura praticados durante o regime militar.
Segundo Abrão, se o Supremo não perceber que há um clamor da sociedade para a discussão do tema, "pode ser que a ação seja negada", afirmou.
A ação contesta a validade do primeiro artigo da Lei da Anistia (6.683/79) que considera como conexos e igualmente perdoados os crimes "de qualquer natureza" relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. O Supremo ainda não se manifestou sobre a ação, apresentada em outubro do ano passado.
Abrão disse que é necessário convocar "diferentes entidades" para entrarem como coautoras da ação da OAB, sob pena de o Supremo não identificar que a ação é um "clamor" da sociedade civil organizada.
"Se o STF perceber que há um efetivo clamor da sociedade para essa discussão, pode ser que a ação seja negada", afirmou Abrão após a leitura, em São Paulo da decisão do Tribunal Internacional de Justiça Restaurativa de El Salvador.
A OAB e a Comissão de Anistia defendem que a tortura não é crime político e sim crime de lesa-humanidade, portanto, imprescritível.
Para Abrão, a Lei da Anistia exclui uma parcela da sociedade de ter acesso ao Poder Judiciário para questionar seus direitos. "É uma lei de negação, nega os direitos à Justiça. É admitir o não-direito e, automaticamente, a não-memória e a não-história", disse.
Polêmica
A polêmica em torno da responsabilização dos crimes de tortura ganhou força com o parecer da AGU (Advocacia Geral da União), que foi anexado ao processo aberto em São Paulo a pedido do Ministério Público. Pelo parecer, a AGU defende que estão perdoados pela Lei de Anistia os crimes de tortura ocorridos no período da ditadura.
No processo, o Ministério Público pede a responsabilização dos militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, comandantes do DOI-Codi nos anos 70, por morte, tortura e desaparecimento de 64 pessoas. A posição da AGU criou uma crise no governo e o ministro já sinalizou que o parecer deve ser revisto.
O debate colocou os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), que são favoráveis à revisão da anistia, em oposição a Nelson Jobim (Defesa) e os militares, contrários à medida.
Justiça Restuarativa
O Tribunal Internacional de Justiça Restaurativa declarou o Estado de El Salvador responsável pelos crimes de tortura, desaparecimento e morte praticados durante a guerra civil que ocorreu naquele país. A decisão condena El Salvador a pagar indenização às famílias das vítimas.