domingo, 31 de janeiro de 2010

Procurador-geral da República é contra revisão da Lei da Anistia

MÁRCIO FALCÃO
da Folha Online

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminhou ao STF (Supremo Tribunal Federal) um parecer se posicionando contrário à revisão da Lei da Anistia, promulgada em 1979. No texto assinado no final da tarde de sexta-feira, Gurgel defende a abertura e o livre acesso dos arquivos da ditadura militar.

Na avaliação do procurador-geral, a lei foi construída a partir de um longo debate nacional promovido na década de 70 e foi resultado do entendimento de diversos setores da sociedade civil. Segundo Gurgel, a revisão seria "romper com o compromisso feito naquele contexto histórico".

"A sociedade civil brasileira, para além de uma singela participação neste processo, articulou-se e marcou na história do país uma luta pela democracia e pela transição pacífica e harmônica, capaz de evitar maiores conflitos", afirma Gurgel.

O STF analisa uma ação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que contesta o primeiro artigo da lei que considera como conexos e igualmente perdoados os crimes "de qualquer natureza" relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Os ministros da Suprema Corte terão que decidir se cabe punição para quem praticou tortura durante o regime militar.

O procurador-geral afirma ainda que a OAB participou ativamente do processo de elaboração da lei que tinha o objetivo de viabilizar a transição entre o regime autoritário militar e o regime democrático atual.

"Com perfeita consciência do contexto histórico e de suas implicações, com espírito conciliatório e agindo em defesa aberta da anistia ampla, geral e irrestrita, é que a Ordem saiu às ruas, mobilizou forças políticas e sociais e pressionou o Congresso Nacional a aprovar a lei da anistia", afirmou.

Para Gurgel, também é importante o livre acesso aos arquivos da ditadura, impedindo que a visão restritiva da anistia crie embaraços ao pleno exercício do direito à verdade.

"Se esse Supremo Tribunal Federal reconhecer a legitimidade da Lei da Anistia e, no mesmo compasso, afirmar a possibilidade de acesso aos documentos históricos como forma de exercício do direito fundamental à verdade, o Brasil certamente estará em condições de, atento às lições do passado, prosseguir na construção madura do futuro democrático", disse.

A revisão da Lei da Anistia não é consenso dentro do governo. O Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos defendem que os agentes do Estado sejam incluídos na Lei de Anistia porque a tortura seria um crime imprescritível. Para o Ministério da Defesa e a Advocacia Geral da União, no entanto, a anistia brasileira foi "ampla e irrestrita", o que perdoaria os crimes cometidos pelos agentes da repressão.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Para Planalto, compra de aviões de caça Rafale é questão fechada






O governo Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que o caça Rafale-C, da companhia francesa Dassault, se encaixa em um projeto maior de defesa e, portanto, deve ser o escolhido do programa F-X2, para aquisição de 36 aviões para a aviação de combate. A palavra final depende dos últimos acertos sobre o preço desse lote, estimado em R$ 10 bilhões.

Com base nessa escolha já consolidada, o Palácio do Planalto decidiu descartar qualquer referência favorável aos outros dois caças concorrentes - da americana Boeing e da sueca Saab - que constar do segundo relatório do Comando da Aeronáutica, entregue na quarta-feira ao ministro da Defesa, Nelson Jobim. O documento não estabelece ordem de preferência.

Segundo um colaborador direto do presidente Lula, o F-X2 está inserido em um projeto mais amplo do governo para a área de defesa, que contempla a padronização de toda a frota de caças do País, inclusive uma versão embarcada para guarnecer um futuro porta-aviões a ser construído em parceria com a França। O pacote que começa com 36 unidades envolverá a compra de um total de 120 caças. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


Agencia Estado - 9/01/2010 09:20

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Leandro Fortes: A longa despedida da ditadura


Atualizado em 03 de janeiro de 2010 às 22:35 - Publicado em 03 de janeiro de 2010 às 22:33

A longa despedida da ditadura

por Leandro Fortes, no Brasília Eu Vi

Ainda não surgiu, infelizmente, um ministro da Defesa capaz de tomar para si a única e urgente responsabilidade do titular da pasta sobre as forças armadas brasileiras: desconectar uma dúzia de gerações de militares, sobretudo as mais novas, da história da ditadura militar brasileira. A omissão de sucessivos governos civis, de José Sarney a Luiz Inácio Lula da Silva, em relação à formação dos militares brasileiros tem garantido a perpetuação, quase intacta, da doutrina de segurança nacional dentro dos quartéis nacionais, de forma que é possível notar uma triste sintonia de discurso – anticomunista, reacionário e conservador – do tenente ao general, obrigados, sabe-se lá por que, a defender o indefensável. Trata-se de uma lógica histórica perversa que se alimenta de factóides e interpretações de má fé, como essa de que, ao instituir uma Comissão Nacional da Verdade, o governo pretende rever a Lei de Anistia, de 1979.

Essa Lei de Anistia, sobre a qual derramam lágrimas de sangue as viúvas da ditadura em rituais de loucura no Clube Militar do Rio de Janeiro, não serviu para pacificar o país, mas para enquadrá-lo em uma nova ordem política ditada pelos mesmos tutores que criaram a ditadura, os Estados Unidos. A sucessão de desastres sociais e econômicos, o desrespeito sistemático aos Direitos Humanos e a distensão política da Guerra Fria obrigaram os regimes de força da América Latina a ditarem, de forma unilateral, uma saída honrosa de modo a preservar instituições e pessoas envolvidas na selvageria que se seguiu aos golpes das décadas de 1960 e 1970. Não foi diferente no Brasil.

Uma coisa, no entanto, é salvaguardar as Forças Armadas e estabelecer um expediente de perdão mútuo para as forças políticas colocadas em campos antagônicos, outra é proteger torturadores. Essas bestas-feras que trucidaram seres humanos nos porões, alheios, inclusive, às leis da ditadura, não podem ficar impunes. Não podem ser tratados como heróis dentro dos quartéis e escolas militares e, principalmente, não podem servir de exemplo para jovens oficiais e sargentos das Forças Armadas. Comparar esses animais sádicos aos militantes da esquerda armada é uma maneira descabida e sórdida de manipular os fatos em prol de uma camarilha, à beira da senilidade, que ainda acredita ter vencido uma guerra em 1964.

Assim, ao se perfilarem num jogo de cena melancólico em favor dessas pessoas, o ministro Nelson Jobim e os comandantes militares prestam um desserviço à sociedade brasileira. Melhor seria se Jobim determinasse aos mesmos comandantes que pedissem desculpas à nação, em nome das Forças Armadas, pelos crimes da ditadura, como fizeram os militares da Argentina e do Chile, ponto de partida para a depuração de uma época terrível que, no entanto, não pode ser esquecida. Jobim faria um grande favor ao país se, ao invés de dar guarida a meia dúzia de saudosistas dos porões, fizesse uma limpeza ideológica e doutrinária na Escola Superior de Guerra, de onde ainda emanam os ensinamentos adquiridos na antiga Escola das Américas, mantida pelos EUA, onde militares brasileiros iam aprender a torturar e matar civis brasileiros.

A criação do Ministério da Defesa, em 1999, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, deu-se por um misto de necessidade política e operacional. O Brasil era, então, um dos pouquíssimos países a ter um ministro fardado para cada força militar, o que fazia de cada uma delas – Marinha, Exército e Aeronáutica – um feudo administrativo indevassável e obrigava o presidente a negociar no varejo assuntos que diziam respeito ao conjunto de responsabilidades gerais das Forças Armadas. Do ponto de vista de gerenciamento da segurança nacional, aquele modelo herdado da ditadura era, paradoxalmente, um desastre. Ainda assim, apesar de ter havido alguma resistência na caserna, o Ministério da Defesa foi montado, organizado e colocado em prática.

Faltou, no entanto, zelo na indicação de nomes para a pasta. Desde o governo FHC, o Ministério da Defesa serviu para abrigar políticos desempregados ou servidores públicos sem qualquer ligação e conhecimento de políticas de defesa e realidade militar. A começar pelo primeiro deles, o ex-senador Élcio Álvares, do ex-PFL, acusado de colaborar com o crime organizado no Espírito Santo. Defenestrado, foi substituído, sem nenhum critério, pelo então advogado-geral da União, Geraldo Quintão, praticamente obrigado a aceitar o cargo por absoluta falta de outros interessados. No governo Lula, já foram quatros os ministros da Defesa: o diplomata José Viegas Filho, o vice José Alencar e o ex-governador da Bahia Waldir Pires, além do atual, Nelson Jobim.

Todos, em maior ou menor grau, gastaram tempo e energia em cima das mesmíssimas discussões sobre salários e equipamentos, mas ninguém ousou tratar da questão doutrinária e de novos parâmetros para a educação e a formação dos militares brasileiros. Na Estratégia de Defesa Nacional, elaborada por Jobim e pelo ex-ministro de Assuntos Estratégicos Mangabeira Unger, em 2008, o tema é abordado, simplesmente, em um mísero parágrafo. A saber:

“As instituições de ensino das três Forças ampliarão nos seus currículos de formação militar disciplinas relativas a noções de Direito Constitucional e de Direitos Humanos, indispensáveis para consolidar a identificação das Forças Armadas com o povo brasileiro”.

A polêmica sobre a possibilidade ou não de revisão da Lei de Anistia é um reflexo direto do descolamento quase que absoluto dos quartéis da chamada sociedade civil brasileira, que, a partir de 1985, cometeu o erro de relegar os militares a uma quarentena política aparentemente infindável, da qual eles só se arriscam a sair de quando em quando, mesmo assim, de forma envergonhada e, não raras vezes, desastrada. Basta dizer que, para reivindicar melhores salários, recorrem os nossos homens de farda às mulheres, normalmente, esposas de oficiais de baixa patente e de praças subalternos, a se lançarem em panelaços e acampamentos públicos a fim de sensibilizar os generais. Estes mesmos generais que se mostram tão irritados com a possibilidade de instalação, aliás, tardia em relação a toda América Latina, da Comissão Nacional da Verdade, prevista no Plano Nacional de Direitos Humanos.

Mas, afinal, por que se irritam os generais e, com eles, o ministro Nelson Jobim? Com a possibilidade de, finalmente, o Estado investigar e nomear um bando de animais que esfolaram, mutilaram, estupraram e assassinaram pessoas às custas do contribuinte? Por que diabos o Ministério da Defesa se coloca ao lado de uma escória com a qual sequer existe, hoje em dia, uma mínima ligação geracional na caserna?

O Brasil precisa se livrar da ditadura militar, mas não antes de dissecá-la e neutralizar-lhe as sementes. Os militares de hoje não podem ser obrigados a defender gente como o coronel Brilhante Ustra, o carniceiro do DOI-CODI de São Paulo, nem o capitão Wilson Machado, vítima mutilada pela própria bomba que pretendia explodir, em 1º de maio de 1981, durante um show de música no Riocentro, onde milhares de pessoas comemoravam o Dia do Trabalho. Um Exército que dá guarida e, pior, se orgulha de gente assim não precisa de mais armamento. Precisa de ar puro.


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ÚLTIMOS COMENTÁRIOS
Maria Lucia (04/01/2010 - 17:25)
Tomar conhecimento, através desse interessante artigo, que a Estratégia de Defesa Nacional foi elaborada por Jobim e Mangabeira Unger ( o professor do Obama) é altamente preocupante.
A formação e o aperfeiçoamento de nossos militares são aspectos de suma importância para a nação e para cada cidadão ou cidadã.É uma legítima questão de Segurança Nacional.
Por essa razão esses aspectos deveriam ser cuidados por especialistas de várias disciplinas, além, é claro das de interesse diretamente militar. Conceitos básicos e história da Filosofia, Ética humanística, História, Ciências Sociais e Direito,Geografia Econômica,entre outras matérias,deveriam fazer parte do currículo.
Nosso país tem os seus valores culturais próprios que devem fundamentar a formação de civis e militares.
Sabemos muito bem no que deu enviar os militares para se aperfeiçoarem nas Escuelas de las Américas e no War College. Que mudaram de nome mas lá estão, doutrinando os militares latinoamericanos a pensar que a única coisa que interessa é defender os interesses imperiais e das oligarquias locais.
Em certo sentido os militares também foram vítimas na ditadura. Muitíssimos inclusive, pediram baixa antecipada ou se opuseram claramente aos "costumes" ditatoriais e foram expulsos.Essa é uma história que também precisa ser resgatada, registrada e divulgada.
Ainda conheço alguns que assim procederam e estão vivos.
Cuidemos da formação e do aperfeiçoamento de nossos militares com muito cuidado e respeito.

Fernando Soares (04/01/2010 - 14:29)
Artigo brilhante, vale a pena ser lido e repassado a milhões de brasileiros para saberem a verdade dos fatos.

Igor (04/01/2010 - 12:19)
Fiz o EAS (Estágio de Adaptação em Serviço) para Oficial da Aeronáutica em 2001. Na apostila de Educação Moral e Cívica havia um capítulo dedicado ao comunismo onde lia-se que "o comunismo é inimigo do estado e deve ser combatido a todo o custo" e que também explicava como o sindicalismo é nocivo ao Brasil.

Urbano (04/01/2010 - 10:54)
Se a Constituição de um país pode ser revista, imagine-se uma lei esdrúxula feita especialmente para se blindarem.

Rafael (04/01/2010 - 10:52)
Bravo!

Mardones Ferreira (04/01/2010 - 10:06)
Feliz Ano Novo!
Imagino o Boriz Casoy lendo isso. Ele andou, na última semana, a mando da BAND, defendendo em rede nacional o silêncio diante dos crimes hediondos cometidos por militares durante a ditadura.
Seria bom uma viista ao Chile e a Argentina depois de suas investigação sobre os processos contra os militares e o quanto os argentinos e chilenos estão em plena paz e harmonia. Contrariando o que diz o jornalista para justificar a paralisia do Brasil nessa questão.
Parabéns Leandro e Azenha. O Brasil precisa abrir e curar essa ferida. Em nome de todos os brasileiros.

Paulo (04/01/2010 - 04:30)
O artigo acerta também na necessidade de deixar bem clara a distinçäo entre as Forças Armadas atuais como instituiçäo, de um lado, e os torturadores e os responsáveis pela ditadura, de outro. Só depois desse desquite definitivo o Brasil poderá passar essa página da história.

Ivo Milanez Gloeden (04/01/2010 - 00:44)
Eu acho que o articulista não entende nada de animais. Eu nunca soube de "animais sádicos" e "bandos de animais" torturando ou estrupando alguém. Por acaso, não seriam seres humanos? Por favor, mais respeito com os animais.

O Brasileiro (04/01/2010 - 00:44)
Este artigo podia ser lido em rede nacional de rádio, televisão e internet para iluminar as trevas que restaram da ditadura!

Adriana Jota (03/01/2010 - 23:21)
Artigo Perfeito... e imaginar que o Lula até cogitou colocar um comunista (Aldo Rebelo) como ministro da defesa... já pensou?!