quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Inimigo nº 1 há 40 anos, o baiano Marighella é homenageado como herói na Câmara de São Paulo

Haroldo Ceravolo Sereza
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Sentados um ao lado do outro, o chefe de gabinete do governador tucano José Serra, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), e o ex-presidente do PT José Dirceu. Mas a mesa da cerimônia que concedeu o título de cidadão paulistano a Carlos Marighella, na noite desta quarta-feira (4), contava com representantes de vários outros movimentos políticos e sociais.

  • Marighella aponta para o ponto em que foi baleado, em 1964, no começo da ditadura

  • A mãe, Maria Rita, e o pai, Augusto. Marighella nasceu em Salvador, em 1911

  • Túmulo de Marighella, desenhado por Oscar Niemeyer, em Salvador, onde está enterrado

O título é relevante menos pela pompa do que por significar uma mudança na forma como Marighella é compreendido pela cidade na qual foi morto, em 1969, numa ação policial - a responsabilidade do Estado por sua morte foi reconhecida em 1996 pela Comissão de Anistia do governo federal.

Inimigo nº 1 do regime militar há 40 anos, o baiano Marighella recebeu tratamento de herói na sessão solene, depois que o decreto legislativo que lhe concedeu o título de cidadão paulistano foi aprovado sem resistência, por unanimidade, nas comissões e no plenário da casa.

Pego de surpresa - o combinado era que não falasse -, o crítico literário Antonio Candido, 91, subiu à tribuna e discursou: "Marighella entrou para a história." Sua figura, avalia, desprendeu-se das posições que tomou durante sua militância.

Para Candido, dessa forma, deixou de representar a liderança deste ou daquele grupo, para se tornar a imagem de "um brasileiro que transcendeu as contingências e é herói da nossa história".

Marighella era o líder da Ação Libertadora Nacional quando, numa emboscada armada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, foi assassinado pelas forças policiais, em 4 de novembro de 1969.

Aloysio Nunes Ferreira, que foi integrante do grupo, não falou durante a cerimônia, mas citou Antonio Candido, ao final do evento, para afirmar que Marighella simboliza a "rebelião contra a tirania".

Carlos Marighella nasceu em Salvador (BA). Sua primeira prisão ocorreu em 1932, quando, militante do Partido Comunista, escreveu um poema com críticas ao interventor no Estado, Juracy Magalhães.

Site ligado a militar critica concessão do título

Ao sair da prisão, mudou-se para o Rio. Em 1936, voltou a ser preso, numa manifestação de 1º de maio. Voltaria a ser preso durante o Estado Novo, em 1939. Com o fim da Segunda Guerra e a redemocratização do país, foi eleito deputado federal - os comunistas liderados por Luís Carlos Prestes tiveram uma atuação destacada no pleito.

Outras homenagens a Marighella

No sábado, será aberta, no Memorial da Resistência (Largo General Osório, nº 66, Luz, centro de São Paulo), às 11h, a exposição "40 Anos Marighella Vive". No mesmo horário, será lançado o livro "Carlos, a face oculta de Marighella", de Edson Teixeira. Às 13h, será apresentada no memorial a peça "O Amargo Santo da Purificação", com textos extraídos dos escritos de Marighella.

O PCB seria recolocado na ilegalidade em 1948, durante o governo Dutra (1946-1950), e seu mandato foi cassado. Marighella seguiu millitando no PCB e, nos primeiros meses da ditadura militar, chegou a ser baleado, ao resistir à prisão.

Em 1967, após uma viagem clandestina a Cuba, rompe com o PCB. Viaja pelo país para organizar a ALN, que organiza ações de guerrilha urbana. É a ALN que executa, junto com o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), sob o comando de Joaquim Câmara Ferreira, o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, a ação de maior repercussão internacional da resistência armada à ditadura militar brasileira.

Marighella também é autor de alguns livros, entre eles o "Minimanual do guerrilheiro urbano".

Clara Charf, companheira de Marighella, afirmou que Marighella, filho de mãe negra e pai imigrante, foi extremamente "anti-racista e feminista", "quando ainda não se usava essa palavra".

"Quando mataram Marighella", disse o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, "queriam matar o socialismo, a crença na justiça social e na igualdade". "Quiseram também que o esquecêssemos, o estigmatizaram como inimigo do povo."

O filho de Carlos Marighella, Carlos Augusto Marighella, lembrou o dia em que recebeu, via telefoto, um sistema de transmissão analógica, a imagem do pai morto, que foi reconhecendo aos poucos.

O pai foi enterrado, contrariando pedido da família, antes que ele chegasse, partindo de São Paulo, a Salvador. Só dez anos mais tarde, com a anistia, em 1979, o corpo foi transladado e ganhou um túmulo em Salvador.



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